3. Pessoas com necessidades especiais

Neste capítulo começa-se por referir os dados estatísticos disponíveis relativos a pessoas com deficiência residentes em Portugal. Apresenta-se depois, de forma necessariamente breve, a CIF – Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (Direcção-Geral da Saúde, 2004). Finalmente, caracterizam-se algumas patologias que tipicamente levam à necessidade de utilização de tecnologias de apoio e, como tal, devem ser minimamente familiares a um Engenheiro de Reabilitação. Em particular, referem-se as lesões vértebro-medulares, os traumatismos cranioencefálicos (TCE[2]), os acidentes cerebrais vasculares (AVC[3] ), a esclerose lateral amiotrófica (ELA[4] ), a demência, a paralisia cerebral (PC), as perturbações da linguagem e da fala, as perturbações do espectro do autismo, as dificuldades específicas de aprendizagem e as deficiências visuais e auditivas. Do ponto de vista da Engenharia de Reabilitação, o foco deve estar nas capacidades e funcionalidades remanescentes da pessoa com deficiência. É aproveitando as capacidades que a pessoa mantém que se poderão realizar as atividades desejadas de uma forma alternativa ou com o suporte de tecnologias de apoio.

3.1 Informação estatística

As estatísticas disponíveis relativas a Deficiência e Reabilitação no contexto português resultam do “Inquérito nacional às incapacidades, deficiências e desvantagens” (Secretariado Nacional de Reabilitação e Integração de Pessoas com Deficiência, 1996), realizado em 1995 pelo então Secretariado Nacional de Reabilitação, abrangendo uma amostra de 142.112 indivíduos, e dos dados obtidos pelo Instituto Nacional de Estatística aquando dos Censos 2001 (Instituto Nacional de Estatística, 2001) e dos Censos 2011 (Instituto Nacional de Estatística, 2011). Registe-se que o inquérito realizado em 1995 é anterior à CIF – Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (ver Secção 3.2), publicada pela Organização Mundial da Saúde na língua inglesa em 2001. O inquérito assume por isso ainda um modelo da deficiência puramente médico com as seguintes definições operacionais:

Já nos Censos 2001 fala-se apenas de deficiência, enquanto nos Censos 2011 o conceito base é o de funcionalidade, já mais em linha com a CIF. Os três estudos refletem a perceção dos inquiridos sobre a causa das suas incapacidades e não correspondem a uma avaliação direta, devendo, por isso, ser usados com cautela enquanto quantificação das pessoas com deficiência existentes em Portugal. Tendo os estudos óticas diferentes, não é imediata a comparação dos resultados para obter uma análise evolutiva da população com deficiência em Portugal. Por esta razão, apresentam-se os resultados dos trabalhos individualmente, evitando-se uma análise conjunta.

De acordo com (Secretariado Nacional de Reabilitação e Integração de Pessoas com Deficiência, 1996), a taxa nacional de pessoas com deficiência estimava-se em 9,16% no ano de 1995, valor semelhante aos restantes países da União Europeia. Como se pode observar na Figura 3.1, constatou-se uma tendência para o aumento do peso relativo de pessoas com pelo menos uma incapacidade com o aumento da idade, sendo a faixa etária dos 45 aos 54 anos o período crítico a partir do qual há um acentuado crescimento da taxa de incidência de incapacidade. Esta taxa aumenta consideravelmente nas idades de pré-reforma e de reforma. No entanto, é de referir que a taxa média de incidência de incapacidade nos grupos etários dos 6 aos 44 anos, correspondentes à escolaridade obrigatória, formação profissional e emprego, ronda os 75‰, com especial relevância para os sistemas de ensino e colocação profissional. O Censos 2001 revela que a percentagem de pessoas com deficiência em 2001 é de 6,1%da população residente em Portugal, percentagem esta que é crescente com a faixa etária considerada (ver Figura 3.2). Em 2011, 17,8% da população com cinco ou mais anos de idade declarou ter muita dificuldade ou não conseguir realizar pelo menos uma das seguintes atividades diárias: ver, ouvir, andar ou subir degraus, memória ou concentração, tomar banho ou vestir-se sozinho e compreender os outros ou fazer-se compreender (Instituto Nacional de Estatística, 2011). A Figura 3.3 mostra que, também em 2011, a taxa de pessoas com pelo menos uma dificuldade aumenta com a idade.

Figura 3.1: Taxa de incidência de pessoas com alguma incapacidade por faixa etária em 1995 (Secretariado Nacional de Reabilitação e Integração de Pessoas com Deficiência, 1996)
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Figura 3.2: Percentagem de pessoas com deficiência por faixa etária em 2001 (Instituto Nacional de Estatística, 2001)

Figura 3.3: Taxas de pessoas com alguma dificuldade por faixa etária em 2011 (Instituto Nacional de Estatística, 2011)

No que diz respeito ao tipo de incapacidade, adotando a classificação da Organização Mundial de Saúde (OMS) vigente em 1995 (ver (Secretariado Nacional de Reabilitação e Integração de Pessoas com Deficiência, 1996)), as incapacidades “face a situações” e “de locomoção” tinham uma maior incidência: 258,81‰ e 220,88‰, respetivamente, face ao número total de incapacidades registadas (ver Figura 3.4). A primeira categoria é muito abrangente, englobando incapacidades que decorrem da dependência (por exemplo de uma máquina externa de suporte de vida) e da resistência física (e.g., dificuldade em manter-se sentado), e incapacidades face ao ambiente (e.g., intolerância ao pó) e a outras situações físicas (e.g., incapacidade para acompanhar o ritmo de trabalho). Esse facto talvez justifique a taxa de incidência relativamente elevada.

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Figura 3.4: Distribuição de pessoas com alguma incapacidade pelo tipo de incapacidade em 1995 (Secretariado Nacional de Reabilitação e Integração de Pessoas com Deficiência, 1996)

Quanto ao tipo de deficiências, verificou-se que em 1995 as deficiências físicas constituíam a maioria (52,6%) das deficiências reportadas (Figura 3.5). A Figura 3.6 apresenta a distribuição das causas das deficiências apuradas no mesmo ano, verificando-se que a doença comum (40%), outras origens (16%) e hereditariedade (12%) constituíam as causas mais frequentes de deficiência.

Figura 3.5: Distribuição das deficiências por tipo em 1995 (Secretariado Nacional de Reabilitação e Integração de Pessoas com Deficiência, 1996)
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Figura 3.6: Distribuição das causas das deficiências registadas em 1995 (Secretariado Nacional de Reabilitação e Integração de Pessoas com Deficiência, 1996)

Nos Censos 2001 recolheu-se também informação relativamente ao tipo de deficiência (Figura 3.7). Neste caso, as deficiências sensoriais (auditiva e visual) constituíam a maioria das deficiências reportadas (39,3%, face aos 24,6% das deficiências motoras). Note-se, no entanto, que nas deficiências físicas contabilizadas em 1995 estavam incluídas deficiências ao nível dos órgãos internos, deficiências músculo-esqueléticas e estéticas da região da cabeça e do tronco, bem como as deficiências dos membros superiores e inferiores. Era portanto uma categoria muito mais abrangente quando comparada com a categoria deficiência motora usada em 2001. Em 2011, a distribuição de pessoas comalguma dificuldade por tipo foi a representada na Figura 3.8.Agrupando as dificuldades em ver e ouvir em dificuldades sensoriais, e as dificuldades em andar ou subir degraus e em tomar banho ou vestir-se sozinho em dificuldades motoras, obtêm-se percentagens equivalentes para estas classes face ao total de dificuldades (aproximadamente 37%).

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Figura 3.7: Distribuição das deficiências por tipo em 2001 (Instituto Nacional de Estatística, 2001)

Figura 3.8: Distribuição das dificuldades por tipo em 2011 (Instituto Nacional de Estatística, 2011)

A distribuição das desvantagens verificada na amostra de 1995, adotando a classificação da OMS (ver (Secretariado Nacional de Reabilitação e Integração de Pessoas com Deficiência, 1996)), está representada na Figura 3.9, verificando-se que a capacidade de ocupação, a independência económica e a mobilidade foram as principais desvantagens identificadas pelos inquiridos. De acordo com os dados dos Censos 2001, a taxa de desemprego entre a população ativa (com mais de 15 anos) com deficiência era em 2001 de 9,6%, face aos 6,7% para a população em geral. Em 2011, a taxa de desemprego entre a população ativa com pelo menos uma dificuldade foi de 19,9%, face aos 13,2% da população em geral (Instituto Nacional de Estatística, 2011). Outros estudos contêm também estimativas do número de pessoas com incapacidade em Portugal. É o caso do Inquérito Nacional de Saúde, 2005-06 (5% pessoas com incapacidade), do Painel Europeu dos Agregados Familiares, 1994-2001 (15,6% de pessoas com incapacidade) e 28 do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, 2004-2007 (19,7% de pessoas com incapacidade). Mais uma vez, as diferentes definições operacionais de incapacidade usadas justificam as diferenças de quantificação.

De referir finalmente dois fatores que têm contribuído para uma alteração do panorama das pessoas com deficiência em Portugal: i) o envelhecimento da população, com a inerente perda de capacidades funcionais; e ii) a evolução dos cuidados perinatais, em especial a assistência ao parto, que tem permitido uma crescente taxa de sobrevivência de crianças nascidas em condições de risco (e.g., baixo peso, prematuros, dificuldades respiratórias), mas por vezes sem evitar a existência de sequelas, levando a um aumento de crianças com deficiência, em especial com múltiplas deficiências.

Figura 3.9: Distribuição das desvantagens por tipo em 1995 (Secretariado Nacional de Reabilitação e Integração de Pessoas com Deficiência, 1996)

3.2 A CIF [5]

A CIF – Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (Direcção-Geral da Saúde, 2004) é um novo sistema de classificação inserido na Família de Classificações Internacionais da Organização Mundial de Saúde. Tem como objetivos (Direcção-Geral da Saúde, 2004, p. 9):

A CIF pretende integrar o modelo médico da deficiência com o modelo social que se lhe opunha, em que a incapacidade era vista principalmente como um problema criado pela sociedade, resultando de questões atitudinais e/ou ideológicas, que requeria uma mudança social, a nível político, para garantir a participação plena das pessoas com incapacidades em todas as áreas da vida social. Para conseguir essa integração a CIF considera diferentes perspetivas de saúde: biológica, individual e social. Tem duas partes, cada uma com dois componentes:

As definições adotadas são (Direcção-Geral da Saúde, 2004):

Funcionalidade é um termo que engloba todas as funções e estruturas do corpo, atividades e participação. Corresponde aos aspetos positivos da interação entre um indivíduo (com uma condição de saúde) e os seus fatores contextuais (ambientais e pessoais);

Incapacidade é um termo que engloba deficiências, limitações da atividade e restrições na participação. Corresponde aos aspetos negativos da interação entre um indivíduo (com uma condição de saúde) e seus fatores contextuais (ambientais e pessoais);

Funções do Corpo são as funções fisiológicas dos sistemas orgânicos (incluindo as funções psicológicas);

Estruturas do Corpo são as partes anatómicas do corpo, tais como órgãos, membros e seus componentes;

Deficiências são problemas nas funções ou na estrutura do corpo, tais como um desvio importante ou uma perda. Podem ser temporárias ou permanentes; progressivas, regressivas ou estáveis; intermitentes ou contínuas. As deficiências podem ser parte ou uma expressão de uma condição de saúde, mas não indicam, necessariamente, a presença de uma doença ou que o indivíduo deva ser considerado doente. Por exemplo, a perda de uma perna é uma deficiência de uma estrutura do corpo, mas não é uma perturbação ou uma doença;

Atividade é a execução de uma tarefa ou ação por um indivíduo; Participação é o envolvimento numa situação da vida;

Limitações da atividade são dificuldades que um indivíduo pode encontrar na execução de uma atividade;

Restrições na participação são problemas que um indivíduo pode experimentar no envolvimento em situações reais da vida;

Fatores Contextuais representam o histórico completo da vida e do estilo de vida de um indivíduo;

Fatores Ambientais constituem o ambiente físico, social e atitudinal no qual as pessoas vivem e conduzem sua vida. Esses fatores são externos aos indivíduos e podem ter uma influência 30 positiva ou negativa sobre o seu desempenho, enquanto membros da sociedade, sobre a capacidade do indivíduo para executar ações ou tarefas, ou sobre a função ou estrutura do corpo do indivíduo;

Fatores Pessoais são o histórico particular da vida e do estilo de vida de um indivíduo e englobam as características do indivíduo que não são parte de uma condição de saúde ou de um estado de saúde. Esses fatores podem incluir género, raça, idade, outros estados de saúde, condição física, estilo de vida, hábitos, educação recebida, diferentes maneiras de enfrentar problemas, antecedentes sociais, nível de instrução, profissão, experiência passada e presente (eventos na vida passada e na atual), padrão geral de comportamento, carácter, características psicológicas individuais e outras características, todas ou algumas das quais podem desempenhar um papel na incapacidade em qualquer nível. Os fatores pessoais não são classificados na CIF. No entanto, são representados no diagrama de interação entre os seus componentes (Figura 3.10) para mostrar a sua contribuição, que pode influenciar os resultados das várias intervenções. A Tabela 3.1 fornece uma visão geral da CIF.

Figura 3.10: Interação entre os componentes da CIF (Direcção-Geral da Saúde, 2004)

Descrição da figura 3.10: o diagrama representa a interação dos fatores pessoais e ambientais na determinação da condição de saúde (perturbação ou doença). A condição de saúde apresenta-se no diagrama como resultante da interação das funções e estruturas do corpo, da atividade e da participação.

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Tabela 3.1: Visão geral da CIF
  Parte 1: Funcionalidade e Incapacidade Parte 2: Fatores Contextuais
Componentes Funções e Estruturas do Corpo Atividades e Participação Fatores ambientais Fatores Pessoais
Domínios Funções do Corpo, Estruturas do Corpo Áreas Vitais (tarefas, ações) Influências externas sobre a funcionalidade e a incapacidade Influências internas sobre a funcionalidade e a incapacidade
Constructos Mudança nas funções do corpo (fisiológicas)
Mudança nas estruturas do corpo (anatómicas)
Capacidade Execução de tarefas num ambiente padrão
Desempenho/execução de tarefas no ambiente habitual
Impacto facilitador ou limitador das características do mundo físico, social e atitudinal Impacto dos atributos de uma pessoa
Aspetos positivos Integridade funcional e estrutural Atividades
Participação
Facilitadores Não aplicável
Funcionalidade
Aspetos negativos Deficiência Limitação da atividade
Restrição da participação
Barreiras Não aplicável
Incapacidade

A CIF classifica a funcionalidade e a incapacidade do Homem (e não classifica pessoas). Permite descrever as características de cada pessoa em diferentes domínios e as características do seu meio físico e social. Não é um instrumento de avaliação ou de medida e não dispensa que os profissionais, dentro das suas áreas de especialidade, adotem procedimentos e utilizem instrumentos de avaliação normalizados e fidedignos que evidenciem de forma rigorosa os diferentes domínios em estudo, tomando como referência a CIF. A CIF utiliza um sistema alfanumérico no qual as letras b, s, d e e são utilizadas para indicar Funções do Corpo (body), Estruturas do Corpo (structures), Atividades e Participação (domains) e Fatores Ambientais (environment). Por vezes são usadas as letras a ou p em substituição da letra d para mais claramente designar Atividade ou Participação. Essas letras são seguidas por um código numérico que começa com o número do capítulo (um dígito), seguido pelo segundo nível (dois dígitos) e o terceiro e quarto níveis (um dígito cada). A versão reduzida da CIF cobre dois níveis, enquanto a versão completa (detalhada) se estende por quatro níveis. Os códigos das versões completa e reduzida são correspondentes, podendo a versão resumida ser obtida da versão completa truncando os dígitos adicionais. Em geral, a versão mais detalhada, de quatro níveis, é utilizada para serviços especializados (e.g., resultados da reabilitação, geriatria, etc.), e a classificação a dois níveis pode ser utilizada nos inquéritos e na avaliação de resultados clínicos.

Após os códigos, que apenas designam a categoria e respetiva subcategoria da CIF, são colocados os qualificadores que indicam a extensão dos problemas no respetivo componente 32 (um, dois ou mais dígitos após um ponto). Para Funções do Corpo (código b) é usado apenas um qualificador da escala genérica (xxx representa o número de domínio do segundo nível):

xxx.0
NÃO há problema (nenhum, ausente, insignificante) 0-4%
xxx.1
Problema LIGEIRO (leve, pequeno, ...) 5-24%
xxx.2
Problema MODERADO (médio, regular, ...) 25-49%
xxx.3
Problema GRAVE (grande, extremo, ...) 50-95%
xxx.4
Problema COMPLETO (total, ....) 96-100%
xxx.8
não especificado
xxx.9
não aplicável

No caso de Estruturas do Corpo poderá ser adicionado um qualificador para indicar a natureza da mudança na estrutura do corpo em questão de acordo com:

0
nenhuma mudança na estrutura
1
ausência total
2
ausência parcial
3
parte suplementar
4
dimensões anormais
5
descontinuidade
6
desvio de posição
7
mudanças qualitativas na estrutura, incluindo retenção de líquidos
8
não especificada
9
não aplicável

A componente de Atividades e Participação (código d) tem dois qualificadores, na mesma escala genérica acima, para qualificar o desempenho do indivíduo no seu ambiente habitual, eventualmente com o auxílio de produtos de apoio, e a capacidade do indivíduo sem auxílio externo. Finalmente, a componente Fatores Ambientais recorre a um qualificador para indicar a extensão dos efeitos positivos do ambiente, i.e. facilitadores, ou a extensão dos efeitos negativos, i.e. barreiras. Ambos utilizam os níveis 0 a 4 da escala genérica acima, mas para os facilitadores o ponto é substituído por um sinal + (por exemplo, e110+2). Os Fatores Ambientais podem ser codificados em relação a cada constructo individualmente ou em geral, sem referência a qualquer constructo individual. A primeira opção é preferível, já que ela identifica mais claramente o impacto e a atribuição. Para diferentes utilizadores pode ser apropriado e útil acrescentar outros tipos de informações à codificação de cada item. Há uma variedade de qualificadores adicionais que podem ser úteis (por exemplo, um terceiro qualificador para indicar a localização da deficiência para uma estrutura do corpo; ver (Direcção-Geral da Saúde, 2004)). Na Tabela 3.2 sumaria-se a informação relativa aos qualificadores, apresentando-se exemplos.

A CIF fornece uma fotografia instantânea da saúde e dos estados relacionados com a saúde de uma pessoa. Sentiu-se assim a necessidade de elaborar uma versão adaptada para os períodos da infância e adolescência, caracterizados pelo rápido crescimento e desenvolvimento com mudanças significativas no funcionamento físico, social e psicológico.A versão da CIF para crianças 33 e jovens (CIF-CJ) não se encontra ainda traduzida para Português[6] . Engloba um total de 237 novos códigos que contemplam conteúdos específicos e detalhes adicionais relevantes na infância e na adolescência, dando especial relevo a questões chave no desenvolvimento e crescimento das crianças e jovens, nomeadamente: a criança no contexto da família; o atraso de desenvolvimento; a participação; e os contextos da criança. O atraso de desenvolvimento, atendendo ao carácter relevante, sobretudo nos períodos da infância, das variações no tempo da emergência de funções ou estruturas do corpo ou da aquisição de competências associadas com diferenças individuais no crescimento e desenvolvimento da criança, foi incluído na definição do qualificador genérico.

Tabela 3.2: Qualificadores da CIF (Direcção-Geral da Saúde, 2004)
Componentes Primeiro qualificador Segundo qualificador
Funções do corpo(b)

Qualificador genérico com a escala negativa, utilizado para indicar a extensão ou magnitude de uma deficiência

Exemplo: b167.3 indica uma deficiência grave nas funções mentais específicas da linguagem

Nenhum
Estruturas do corpo(s)

Qualificador genérico com a escala negativa, utilizado para indicar a extensão ou magnitude de uma deficiência.

Exemplo: s730.3 indica uma deficiência grave do membro superior

Utilizado para indicar a natureza da mudança na estrutura do corpo em questão:
0
nenhuma mudança na estrutura
1
ausência total
2
ausência parcial
3
parte suplementar
4
dimensões anormais
5
descontinuidade
6
desvio de posição
7
mudanças qualitativas na estrutura, incluindo retenção de líquidos
8
não especificada
9
não aplicável

Exemplo: s730.32 para indicar a ausência parcial do membro superior

Atividades e Participação(d)

DESEMPENHO

Qualificador genérico

Problema no ambiente habitual da pessoa

Exemplo: d5101.1_ indica leve dificuldade para tomar banho se utilizar dispositivos de auxílio disponíveis no seu ambiente habitual

CAPACIDADE

Qualificador genérico

Limitação, sem ajuda

Exemplo: d5101._2 indica dificuldade moderada para tomar banho sem o recurso a dispositivos de auxílio ou a ajuda de outra pessoa

Fatores Ambientais(e)

Qualificador genérico, com escala negativa e positiva, para indicar, respetivamente, a extensão das barreiras e dos facilitadores

Exemplo: e130.2 indica que os produtos para a educação são um obstáculo moderado. Inversamente, e130+2 indicaria que os produtos para a educação são um facilitador moderado

Nenhum
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A CIF tem aplicação em diferentes áreas disciplinares e sectores tais como saúde, educação, segurança social, trabalho, economia e desenvolvimento, estatísticas e sistemas de informação, legislação ou seguros. Pode ser usada ao nível clínico individual (avaliação funcional do indivíduo, planeamento das intervenções, reabilitação, etc.); a nível institucional (planeamento e avaliação de serviços e recursos, formação dos profissionais, investigação, etc.); ou a nível social e político (planeamento, desenvolvimento e avaliação de políticas e medidas; sistemas de compensação e de atribuição de benefícios; critérios de elegibilidade; acessibilidade; indicadores e estatísticas, etc.).

3.3 Caracterização de algumas patologias

Neste subcapítulo são descritas várias patologias em que a utilização de TA em diversos âmbitos pode ser necessária. Não se pretende referir exaustivamente todas as patologias passíveis de beneficiar de TA, mas sim exemplificar potenciais utilizadores das TA para as diversas áreas de desempenho (mobilidade, manipulação, comunicação, orientação e cognição) referidas nos capítulos seguintes. Note-se que o foco do Engenheiro de Reabilitação não deve estar nas limitações da pessoa, mas sim nas atividades que esta pretende realizar e nas capacidades que possui e podem ser potenciadas para o desempenho dessas atividades. No entanto, aspetos das patologias como a sua origem (congénita ou adquirida) e as suas características dinâmicas (degenerativa, em recuperação ou definitiva) são fundamentais para o desenvolvimento, seleção e avaliação de TA (Glennen & DeCoste, 1996).

3.3.1 Lesões vértebro-medulares

As lesões vértebro-medulares (LVM) resultam de traumas na coluna vertebral devido a acidente ou doença. Estes traumatismos podem provocar esquimose[7] , perturbações na irrigação sanguínea ou o corte de uma zona da medula espinhal. Os sintomas variam dependendo da localização e da gravidade da lesão (Programa Harvard Medical School Portugal, 2011).

Estima-se que a incidência das LVM em Portugal é de 58 novos casos por ano e por milhão de habitantes (Direcção-Geral da Saúde, 2003). Admitindo que cerca de 370 dos novos casos por ano morre durante o transporte para uma unidade de saúde, prevêem-se 250 novos casos por ano em Portugal (Direcção-Geral da Saúde, 2003).

As principais causas da ocorrência de LVM são acidentes de viação (principal causa na população jovem), quedas (principal causa na população idosa), atos de violência e algumas atividades desportivas. No entanto, as LVMpodemtambémser consequência de doenças neurodegenerativas, mielites, tumores na medula espinhal, entre outras causas (DeVivo, 2012).

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As taxas de incidência das LVM são baixas na idade da infância e máximas (com mais de 50% dos casos) entre os 16 e os 30 anos (Holtz & Levi, 2010). Atualmente, relacionado com o aumento da esperança média de vida, verifica-se também um aumento de casos de LVM em pessoas idosas. Verifica-se uma incidência das LVM tipicamente 3 a 4 vezes maior para o sexo masculino do que para o sexo feminino (DeVivo, 2012).

As LVM podem ser completas ou incompletas. No primeiro caso (cerca de 40% das LVM (Rodrigues, et al., 2010)), a pessoa perde totalmente a sensibilidade e o controlo motor dependentes das enervações que derivam de zonas abaixo da lesão na medula espinhal. No segundo caso, existe enervação parcial das regiões abaixo da lesão, mantendo-se alguma sensibilidade e/ou controlo motor dependentes dessas regiões. Por exemplo, uma pessoa com uma lesão incompleta pode manter a sensibilidade em partes do corpo que não consegue mover, ou pode ter um lado do corpo mais funcional do que o outro.

As LVM são normalmente designadas pela região da coluna vertebral em que se verifica o trauma. A coluna vertebral tem 33 vértebras (em alguns casos 32 ou 34) e encontra-se dividida em quatro regiões: região cervical, com 7 vértebras; região torácica, com 12 vértebras; região lombar, com 5 vértebras; e região sacrococcígea, formada pelo sacro, com cinco vértebras soldadas, e pelo cóccix, com três, quatro ou cinco vértebras soldadas entre si (Figura 3.11). A referência à localização da LVM é dada pelas letras C1-C8, T1-T12, L1-L5 e S1-S5, referindo-se aos pares de nervos raquidianos (nervos que ligam a medula espinhal aos músculos esqueléticos do corpo humano). As letras C, T, L e S referem-se às regiões cervical, torácica, lombar e sacrococcígea, respetivamente. A numeração é efetuada da base do crânio até ao cóccix. Note-se que estas referências não coincidem sempre com a posição das vértebras (por exemplo, o par de nervos C8 está localizado na vértebra C7). Na Tabela 3.3 indicam-se, numa classificação de 7 grupos, as funções que podem ser afetadas aquando de uma lesão na medula espinhal (Oleson, Sie, & Waters, 2010).

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Figura 3.11: Regiões da coluna vertebral (Cancer Research UK; commons.wikimedia.org)
Tabela 3.3: Consequências de LVM completas, categorizadas em 7 grupos. Adaptado de Oleson et al. (2010)
Grupos Consequências esperadas
C1-C3 Paralisia completa do tronco, membros superiores, membros inferiores. Dependência de ventilação assistida.
C4 Paralisia completa do tronco, membros superiores, membros inferiores. Pode, eventualmente, respirar sem ventilação.
C5 Sem extensão do cotovelo, pronação ou movimentos do pulso e mão; paralisia total do tronco e membros inferiores.
C6 Sem extensão do cotovelo ou movimentos do pulso e mão; paralisia total do tronco e membros inferiores.
C7-C8 Paralisia do tronco e membros inferiores; limitações na força e movimentos da mão.
T1-T9 Paralisia do tronco. Paralisia total dos membros inferiores.
T10-L1 Paralisia parcial dos membros inferiores.
L2-S5 Paralisia parcial dos membros

Lesões na região cervical (cerca de 55% dos casos (Rodrigues, et al., 2010)) resultam em tetraparésia[8] ou mesmo tetraplegia[9] . Além de afetar o controlo motor, este tipo de lesão afeta também (no que se refere às vias do sistema nervoso autónomo) a função de regulação da temperatura do corpo e da transpiração, o controlo vesical, intestinal e sexual. Além das lesões 37 nervosas, a redução da circulação sanguínea na zona afetada dificulta ainda mais o controlo de temperatura e aumenta o perigo de formação de escaras. Lesões em C4 ou acima podem resultar numa grave incapacidade da função respiratória, sendo normalmente necessário o recurso à ventilação mecânica.

Lesões nas regiões torácica, lombar ou sacrococcígea levam a parésias dos membros inferiores[10] ou paraplegias[11].Alémdas limitaçõesmotoras, os traumas emT1-T2 podemocasionar incapacidade nas funções respiratórias, na regulação da temperatura do corpo e na transpiração. Indivíduos com paraplegias podem ter as funções motoras e/ou sensoriais completa ou parcialmente afetadas no tronco e membros inferiores, dependendo da localização e natureza das lesões.

3.3.2 Traumatismos cranioencefálicos

Os traumatismos cranioencefálicos (TCE) são consequência de uma lesão na cabeça por agressão externa. As agressões externas podem ser divididas em lesões primárias e lesões secundárias. As lesões primárias, resultantes do impacto inicial, podem ser difusas (por efeito de rotação, aceleração ou desaceleração abrupta) ou focais (por força de contacto direto). O tipo de lesão depende da zona, duração, magnitude e natureza da agressão. As lesões secundárias surgem como consequência das lesões primárias e resultam de hematomas intracranianos e hipertensão intracraniana (Oliveira, Lavrador, Santos, & Antunes, 2012).

Na Europa, a incidência de TCE situa-se entre 150-300/100.000 habitantes por ano (Tagliaferri, Compagnone, Korsic, Servadei, & Kraus, 2006). Segundo Maria Emília Santos et al. (2003), em Portugal, a incidência de TCE é de 137/100.000 habitantes por ano, com taxa de mortalidade de 17/100.000 habitantes[12]. Sendo que cerca de 1/3 dos casos de TCE resultam em incapacidade, há em Portugal mais de 3700 novos casos de pessoas com incapacidade resultante de TCE. A faixa etária de maior incidência é dos 15 aos 30 anos, afetando mais o sexo masculino (cerca de 65% dos casos) do que o feminino.

De acordo com vários autores, a causa mais frequente são os acidentes de viação, seguida de quedas, acidentes domésticos e acidentes de trabalho, entre outros.

Consoante a zona do cérebro afetada e a gravidade da lesão, pessoas que sofreram traumatismos cranioencefálicos podem apresentar incapacidades físicas, dependência na realização das 38 atividades da vida diária, deficiências cognitivas, distúrbios comportamentais, problemas emocionais ou problemas psiquiátricos.

Existem diversas classificações dos TCE, sendo a Escala de Coma de Glasgow (Teasdale & Jeneet, 1974) um exemplo das mais utilizadas. Esta escala avalia a abertura ocular, a resposta verbal e a resposta motora de um paciente, utilizando um a seis níveis em cada uma das áreas. A soma dos resultados obtidos nos três testes é um número a que correspondem quatro níveis de gravidade (TraumaticBrainInjury, 2006), descritas na Tabela 3.4.

Tabela 3.4: Níveis de gravidade da Escala de Coma de Glasgow, utilizada para classificar os TCE. Adaptado de (TraumaticBrainInjury, 2006)
Escala de Coma de Glasgow
Leve
(13-15)
Perda de consciência e/ou confusão e desorientação inferior a 30 minutos. Sequelas incluem dores de cabeça, dificuldades em raciocinar, problemas de memória, défices de atenção, alterações de humor e frustração.
Incapacidade moderada
(9-12)
Perda de consciência por um período superior a 30 minutos. Sequelas incluem incapacidades físicas e cognitivas que podem ou não ser reversíveis. Pode beneficiar de reabilitação.
Incapacidade severa
(3-8)
Coma. Sem resposta coerente, sem atividades voluntárias.
Estado vegetativo
(menos que 3)
Ciclos vigília/sono, acordado mas sem interação com o ambiente, sem resposta localizada à dor.

3.3.3 Acidentes vasculares cerebrais

Designa-se por Acidente Vascular Cerebral (AVC) um evento de fluxo sanguíneo irregular no cérebro causando uma interrupção do seu funcionamento. Pode ser originado por ausência de fluxo sanguíneo (AVC isquémico) ou por uma rutura dos vasos sanguíneos (AVC hemorrágico) (Associação Acidentes Vasculares Cerebrais, 2009).

De acordo com dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), o AVC representa a terceira causa de morte nos países industrializados e representa 10% da totalidade de mortes. A incidência varia nos diferentes países europeus, estimando-se entre 100 a 200 novos casos por 100.000 habitantes (Nogueira, Henriques, Gomes, & Leitão, 2007). Segundo dados da European Stroke Iniciative (2003), oAVC representa a principal causa de morbilidade e incapacidade prolongada na Europa. Não se conhece com rigor a incidência de AVC em Portugal, sabendo-se no entanto que é o país da Europeu Ocidental com a maior taxa 39 de mortalidade por AVC (Direcção-Geral da Saúde, 2006). Estudos realizados para a Europa Ocidental indicam maior incidência no grupo etário 75 a 84 anos (Correia, et al., 2004).

O AVC é uma das causas mais comuns de internamento e de incapacidade crónica. Em 2010, foram admitidos nos hospitais portugueses 1450,48 pessoas por milhão de habitantes com AVC agudo (Ministério da Saúde, 2011).

Muitos dos doentes que sobrevivem a umAVC ficam incapacitados e dependentes de ajuda para o desempenho de atividades na sua vida diária. As consequências dos AVC estão diretamente ligadas ao local e extensão da lesão cerebral que ocorre na altura do acidente, pelo que variam significativamente de pessoa para pessoa. As sequelas de AVC mais comuns são hemiparésias[13] , perturbações da linguagem e da fala (ver Secção 3.3.7) e alterações cognitivas, tais como perda de memória e de atenção. As limitações funcionais decorrentes do AVC impõem dificuldades na comunicação e no desempenho de várias atividades diárias, sendo frequente o isolamento, ansiedade e depressão. Os AVC na região do tronco cerebral podem provocar limitações muito graves, sendo esta uma das causas da síndrome de locked-in[14] .

É possível recuperar algumas capacidades funcionais afetadas pelo acidente através de diferentes terapias que tirampartido da neuroplasticidade, isto é, da capacidade do cérebro aprender e reorganizar recursos para compensar as áreas danificadas (Bruno-Petrina, 2010). Muitos estudos têm sido desenvolvidos na investigação de novas terapias para a reabilitação de pessoas que sofreram AVC.

3.3.4 Esclerose lateral amiotrófica

A Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) é uma doença degenerativa caracterizada pela rápida e progressiva degeneração das células nervosas do córtex motor, tronco cerebral e medula espinhal. A perda de enervação dos músculos conduz a progressiva fraqueza e atrofia musculares, causando grave incapacidade motora e insuficiência respiratória. A ELA pode ter início bulbar, quando os primeiros sintomas se revelam nos músculos dependentes dos últimos pares cranianos, medular, quando os primeiros sintomas se revelam em qualquer dos membros inferiores ou superiores, ou mista, quando há desde o início uma manifestação generalizada da doença (Carvalho, Evangelista, & Conceição, 2006).

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Segundo Logroscino et al. (2010), a ELA é uma doença rara, sem cura, com uma incidência na Europa de 2,16/100.000 habitantes. A sua sobrevida é baixa: 2 a 5 anos após o início, para 70 a 80% dos casos. A incidência aumenta após os 40 anos, com média de idade no diagnóstico de 65-67 anos. Afeta mais os homens do que as mulheres, numa proporção de 1,4:1. A progressão desta doença é muito rápida, agravando-se continuamente (apenas existe atualmente um medicamento que retarda, em alguns meses, a progressão da ELA). A sua causa é ainda desconhecida. Apenas 5 a 10% dos casos de ELA são familiares.

As pessoas com ELA de início bulbar podem experimentar como primeiros sintomas dificuldades na fala (disartria), na deglutição (disfagia) e na respiração. Nas pessoas com ELA de início medular, as limitações motoras dos membros superiores ou inferiores manifestam-se mais precocemente, com dificuldades na marcha e/ou na manipulação. Sendo uma doença de rápida progressão, 80 a 95% das pessoas com ELA perde a capacidade de comunicar sem recurso a tecnologias de apoio (Beukelman, Yorkston, & Reichle, 2000), consequência das limitações motoras generalizadas causadas pela doença. Apesar das graves limitações motoras, as pessoas com ELA mantêm, em geral, as suas capacidades cognitivas, a sensibilidade, o controlo dos movimentos musculares extraoculares e o controlo dos esfíncteres. Embora tenha sido sempre considerado que a ELA afetava apenas o sistema motor, atualmente há evidência de ser uma doença multissistémica (Strong, 2006). Um exemplo são os estudos recentes que relacionam esta doença com a demência frontotemporal (Phukan, Pender, & Hardiman, 2007).

3.3.5 Demência

De acordo com a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID-10), da Organização Mundial de Saúde, a “demência é uma síndrome devida a uma doença cerebral, geralmente de natureza crónica ou progressiva, na qual estão afetadas múltiplas funções corticais superiores, incluindo memória, pensamento, orientação, compreensão, cálculo, capacidade de aprendizagem, linguagem e julgamento. O comprometimento das funções cognitivas é comummente acompanhado, e ocasionalmente precedido, por deterioração no controlo emocional, comportamento social ou motivação. Esta síndrome ocorre na doença de Alzheimer, em doenças cérebro-vasculares e em outras condições que atingem primária ou secundariamente o cérebro” (World Health Organization, 2010).

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Segundo estudos europeus, estima-se que, na Europa, surjam por ano 1,4 milhões de casos de demência (Alzheimer Portugal, 2009). De acordo com os mesmos estudos, sabe-se que existem atualmente cerca de 7,3 milhões de pessoas com demência na Europa e prevê-se que, até 2040, estes valores de prevalência dupliquem, devido ao envelhecimento da população.

Em Portugal, há 153.000 pessoas com demência, entre as quais 90.000 têm a doença de Alzheimer (Alzheimer Portugal, 2009).

Segundo dados da Comissão Europeia (European Commission, 2012), as causas mais comuns de demência, na Europa, são a doença neurodegenerativa de Alzheimer (50-70% dos casos) e os acidentes vasculares (cerca de 30%). Estando a incidência da demência associada ao envelhecimento da população e dado o seu forte impacto económico-social, a Comissão Europeia tem implementado programas de financiamento que visam o estudo da Demência e Envelhecimento, nomeadamente apoiando o estudo das doenças neurodegenerativas e o desenvolvimento de tecnologias de apoio que permitam prolongar a autonomia e aumentar a segurança e a qualidade de vida dos idosos e doentes crónicos[15].

3.3.6 Paralisia cerebral

Adota-se aqui a definição de paralisia cerebral em (Andrada, et al., 2005, p. 1): “... Paralisia Cerebral (PC) é um termo de âmbito alargado que engloba situações de deficiência com perda de aptidões e disfunções em múltiplas e diversificadas áreas do desenvolvimento da criança.” É devida a lesão cerebral ocorrida num período precoce de desenvolvimento do cérebro (durante a gravidez, na altura do parto, logo após o nascimento, ou até aos 5 anos de idade). Caracteriza-se essencialmente por uma perturbação não progressiva do movimento e da postura. De acordo com a Sociedade Portuguesa de Neuropediatria (2011)

“Algumas crianças têm perturbações ligeiras, quase impercetíveis, que as tornam desajeitadas, parecendo pouco harmoniosas a andar, falar ou em tarefas manuais. Outras há que são gravemente afetadas com incapacidade motora grave, impossibilidade de andar e falar, sendo dependentes nas atividades da vida diária. Entre estes dois extremos, há vários graus de incapacidade e as manifestações dependem pois da localização das lesões e áreas do cérebro afetadas. A criança com PC pode ter inteligência normal ou até acima do normal, mas também pode ter atraso intelectual, não só devido às lesões cerebrais, mas também por falta de experiência resultante das suas deficiências.”
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As taxas de incidência e prevalência de Paralisia Cerebral em Portugal para o ano de 2001 são estimadas em 1,65 por cada mil nados vivos e de 1,72 por cada mil crianças, respetivamente (Andrada, Folha, Gouveia, Calado, & Virella, 2009). O estudo publicado em (Andrada, et al., 2005), englobando 100 crianças nascidas entre 1996 e 1998 e com diagnóstico confirmado de PC, aponta para várias causas (etiologias) da Paralisia Cerebral, mas normalmente a causa é desconhecida. Complicações no parto e deficiente fornecimento de oxigénio (anóxia) ao cérebro antes, durante ou após o nascimento são as causas mais apontadas. Os bebés prematuros são particularmente vulneráveis. O mesmo estudo mostra que 57% das crianças analisadas não anda, 62% não comunicam através da fala, e que 62% têm problemas visuais. São por isso tipicamente crianças muito condicionadas pelas suas limitações físicas, na maior parte dos casos com poucas interações com os contextos físicos e sociais em que se inserem, o que pode ter um grande impacto no seu desenvolvimento global. Os tipos mais comuns de PC são (Sociedade Portuguesa de Neuropediatria, 2011):

A forma espástica é a mais frequente das PC, englobando 88% dos casos (González & Sepúlveda, 2002; Young, 1994). Podem ainda aparecer formas mistas com diferentes sintomas, o que torna difícil a avaliação. Há várias classificações propostas para avaliação da PC. A Figura 3.12 apresenta uma classificação da PC, consoante a localização e gravidade neurológica.

Em (Andrada, et al., 2009) propõe-se uma nova classificação em que a PC espástica bilateral já não é subdividida em predomínio dos membros superiores e inferiores por tetraparésia/diplegia, mas em que a PC é classificada em espástica unilateral ou bilateral, com dois, três ou quatro membros afetados. AAtetose/Distonia é designada em (Andrada, et al., 2009) por PC disquinética, sendo dividida em distónica, em que predominam posturas anormais, hipertonia, movimentos involuntários e voluntários com posturas anormais provocadas por contrações musculares mantidas, e em coreoatetósica, em que predomina a hipercinésia[16] e a hipotonia (tónus variável mas principalmente diminuído).

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Figura 3.12: Classificação da PC consoante a localização e gravidade neurológica (adaptado de (Sociedade Portuguesa de Neuropediatria, 2011))

Um dos reflexos primitivos que muitas vezes estas crianças mantêm é o reflexo cervical tónico assimétrico (as crianças de desenvolvimento típico perdem-no entre os 4 e os 6 meses de idade). Este reflexo provoca uma rotação da cabeça para o lado contrário em que um membro é estendido, o que provoca dificuldades acrescidas no acesso a tecnologias de apoio (quando a criança estende o braço para acionar a tecnologia ela “sai” do seu campo de visão devido à rotação da cabeça). Na caracterização da PC atáxica em (Andrada, et al., 2009) aponta-se também dismetria17 e tremor (sobretudo intencional lento).

É usual caracterizar as capacidades motoras de uma criança com PC de acordo com uma escala mais simples que a CIF e desenvolvida tendo em conta esta patologia em particular – trata-se da Classificação da Função Motora Global18 (Palisano, et al., 1997; Palisano, Rosenbaum, Bartlett, & Livingston, 2008). Esta escala encontra-se traduzida para Português (Andrada, et al., 2007). Inspiradas nesta, outras escalas têm sido desenvolvidas de que são exemplo a Classificação das Capacidades de Manipulação da Criança com Paralisia Cerebral19 (Eliasson, et al., 2006; Andrada, et al., 2005), a Classificação da Motricidade Fina Bimanual da Criança com Paralisia Cerebral20 (Bekung & Hagberg, 2002), e a Classificação da Comunicação e Função Oromotora (Alimentação, Capacidade de Expressão e Controlo da Baba) (Andrada, et al., 2008).

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3.3.7 Perturbações da linguagem e da fala

Linguagem e Fala não têm a mesma definição. Linguagem é qualquer sistema de símbolos organizados de acordo com um conjunto de regras acordado entre o emissor e o recetor (Miller, 1981). Fala é a expressão oral de uma linguagem.

Designa-se por Afasia uma perturbação da compreensão ou produção da linguagem resultante de lesões neurológicas (Martins, 2006). As afasias são usualmente consequência de acidentes vasculares cerebrais ou traumatismos cranioencefálicos. Tumores, infeções cerebrais ou doenças neurodegenerativas podem também causar afasias.

Com base em dados sobre os AVC, estima-se que a incidência das afasias no mundo desenvolvido seja entre 0,02 e 0,06% e a prevalência de 0,1 a 0,4% da população (Code & Petheram, 2011). Dependendo da região da lesão cerebral, a afasia pode afetar vários aspetos da comunicação, tanto na compreensão como na produção de linguagem verbal ou escrita, sem perturbar as capacidades intelectuais. Por exemplo, algumas pessoas têm dificuldades em nomear palavras, outras em compreender a linguagem falada, outras em organizar a linguagem em frases com sentido. A Tabela 3.5 indica os tipos de afasia e as áreas da linguagem afetadas ou preservadas, em cada um desses tipos (Castro Caldas, 2000).

Algumas perturbações da fala, associados à afasia ou a outras origens neurológicas são:

Disartria é uma perturbação do controlo do sistema motor da fala em resultado de lesões no sistema nervoso central ou periférico que causam fraqueza, lentidão e uma deficiente coordenação dos músculos necessários para produzir fala (Anderson & Shames, 2006). Traduz-se em dificuldade na articulação e pronunciação das palavras, com perda de inteligibilidade.

Apraxia[21] verbal designa uma perturbação da coordenação dos movimentos envolvidos na produção de fala causada por uma disfunção no sistema nervoso central. Na apraxia verbal, ao contrário de na disartria, não há qualquer problema nos músculos produtores da fala, mas apenas na coordenação dos movimentos. Tem por isso prognósticos mais favoráveis.

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Anartria designa a incapacidade para articular palavras, como consequência de uma lesão cerebral que afeta o controlo dos músculos orofaciais. Não está relacionado com a compreensão, leitura ou escrita, mas apenas com a impossibilidade de articular palavras.

Tabela 3.5: Tipos de afasia (Castro Caldas, 2000). O símbolo indica áreas perturbadas e o símbolo indica áreas preservadas
Tipo de Afasia Fluência do discurso Compreensão Nomeação Repetição
Wernicke
Transcortical sensorial
Condução
Anómica
Global
Transcortical mista
Broca
Transcortical motora

3.3.8 Perturbações do espectro do autismo

As perturbações do espectro do autismo englobam um grupo de doenças caracterizadas por alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e em padrões de comunicação, e por um repertório restrito, estereotipado e repetitivo de interesses e atividades (World Health Organization, 2010). Estas anomalias qualitativas constituem uma característica global do funcionamento do indivíduo e manifestam-se em todas as situações.

A prevalência das perturbações do espetro do autismo nos países desenvolvidos é estimada em 6 por mil habitantes (Newschaffer, et al., 2007). Estudos epidemiológicos indicam que o autismo afeta o sexomasculino, em relação ao sexo feminino, numa proporção de 4,3:1 (Newschaffer, et al., 2007).

A criança com autismo infantil tem um desenvolvimento atípico, patente antes dos três anos de idade. Além das características específicas descritas para as perturbações do espectro do autismo, são comuns uma série de outras manifestações inespecíficas tais como fobias, distúrbios de sono e alimentação, crises de birra, e (auto) agressividade (World Health Organization, 2010).

Quando os sintomas aparecem depois dos três anos de idade, ou quando não há evidência significativa em uma ou duas das três áreas de psicopatologia necessárias para o diagnóstico de 46 autismo infantil (interações sociais recíprocas, comunicação e repertório restrito, estereotipado e repetitivo de interesses e atividades), a patologia é designada por autismo atípico. Este surge mais frequentemente em indivíduos com atrasos mentais profundos ou com perturbações graves no desenvolvimento da linguagem recetiva (World Health Organization, 2010).

A síndrome de Rett é uma patologia que, até hoje, foi apenas detetada no sexo feminino, manifestando-se entre os sete e 24 meses de idade (World Health Organization, 2010). Após um desenvolvimento inicial aparentemente normal, a criança perde total ou parcialmente as capacidades de falar, de andar e de usar as mãos, acompanhado de uma torsão estereotipada das mãos, de uma desaceleração do crescimento do crânio e de hiperventilação. Há uma estagnação do desenvolvimento social e lúdico, mas os interesses sociais são normalmente mantidos. Aos quatro anos desenvolve-se ataxia[22] e apraxia do tronco, ao que se segue usualmente o surgimento de movimentos coreoatetósicos. Esta patologia tem como consequência frequente um atraso mental profundo (World Health Organization, 2010).

A demência infantil ou síndrome de Hellermanifesta-se tambémapós umperíodo de desenvolvimento típico. Ao longo de alguns meses a criança perde as capacidades anteriormente adquiridas em vários domínios do desenvolvimento. Normalmente, isso é acompanhado de uma perda geral de interesse no ambiente, maneirismos motores estereotipados e repetitivos, e alterações na interação social e na comunicação do tipo autista (World Health Organization, 2010).

A síndrome de Asperger diferencia-se do autismo essencialmente por não haver um atraso no desenvolvimento da linguagem ou no desenvolvimento cognitivo, manifestando-se apenas ao nível das interações sociais recíprocas e num repertório restrito, estereotipado e repetitivo de interesses e atividades. Está frequentemente associada a crianças desajeitadas. Os sintomas tipicamente persistem na adolescência e idade adulta (World Health Organization, 2010).

Não são ainda conhecidas as causas das perturbações do espectro do autismo, mas é hoje consensual que as perturbações decorrem de um problema neurológico e não, como se pensava inicialmente, de fatores familiares (pais frios e pouco expressivos) que prejudicavam o desenvolvimento afetivo da criança (teoria da “mãe frigorífico”, atualmente ultrapassada). Não existe, ainda, cura para o autismo.

3.3.9 Dificuldades específicas de aprendizagem

As perturbações específicas da aprendizagem englobam todas as dificuldades de aprendizagem que não podem ser atribuídas a ausência de oportunidades, atraso mental ou consequência de alguma doença ou traumatismo cranioencefálico (World Health Organization, 2010). Crianças com dificuldades de aprendizagem específicas apresentam normalmente défices de atenção, hiperatividade, impulsividade, entre outros sintomas.

Em Portugal, 5 a 10% da população total de alunos tem dificuldades de aprendizagem específicas (Associação Portuguesa de Pessoas com Dificuldades de Aprendizagem Específicas, 2009).

A dislexia é caracterizada por troca ou omissão de letras, inversão de sílabas, dificuldades de estruturação de frases, que afetam tanto a leitura como a escrita. Esta perturbação compromete a associação entre as letras impressas e o som respetivo, afetando a leitura e até a compreensão dos textos (Associação Portuguesa de Pessoas com Dificuldades de Aprendizagem Específicas, 2009).

A disgrafia é uma perturbação do tipo funcional, afetando a escrita. Os alunos com disgrafia normalmente apresentam uma caligrafia mal desenhada e ilegível, com letras muito próximas e desproporcionadas (Associação Portuguesa de Pessoas com Dificuldades de Aprendizagem Específicas, 2009).

Na disortografia o traçado ou a grafia das palavras não está afetada, mas a criança comete de forma sistemática erros de escrita. Devido a uma incapacidade de estruturar gramaticalmente a linguagem, a disortografia pode manifestar-se no desconhecimento ou negligência das regras gramaticais, confusão nos artículos e pequenas palavras, e em formas mais banais como a troca de plurais, falta de acentos ou erros de ortografia em palavras correntes ou na correspondência incorreta entre o som e o símbolo escrito (Associação Portuguesa de Pessoas com Dificuldades de Aprendizagem Específicas, 2009).

A discalculia é uma perturbação das capacidades aritméticas em que as crianças não são capazes de reconhecer e efetuar as quatro operações básicas. Têm também usualmente problemas em quantificar e comparar, em entender sequências lógicas e enunciados de problemas (Associação Portuguesa de Pessoas com Dificuldades de Aprendizagem Específicas, 2009).

3.3.10 Deficiência visual

A deficiência visual engloba a cegueira e a baixa visão. É caracterizada por medidas subnormais de acuidade visual e/ou do campo de visão, não totalmente ultrapassáveis por meios de correção ótica (Moore, Graves, & Patterson, 1997).

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A acuidade visual é a medida da capacidade do olho para distinguir dois elementos distintos que estão próximos, em função da distância desses elementos ao olho. Corresponde à nitidez da visão e está relacionada com a distância entre fotorrecetores na retina e a precisão da refração (na Figura 3.13 apresenta-se uma imagem anatómica do olho humano). A acuidade visual é uma medida da resolução espacial da visão. O campo visual refere-se à área visível quando a cabeça e os olhos estão fixos num ponto, isto é, toda a área que a pessoa consegue ver quando fixa o olhar num ponto (visão central e periférica) (Agarwal & Jacob, 2009).

De acordo com a Classificação Internacional de Doenças da OMS (World Health Organization, 2012), há quatro níveis de deficiência visual: visão normal, défice visual moderado, défice visual grave e cegueira. Esta classificação é dada com base em valores de acuidade visual.

Em Portugal, a definição legal de cegueira é (segundo o Decreto-Lei n.º 49331/69 de 28 de outubro):

  1. A ausência total da visão;
  2. As situações irrecuperáveis em que:
    • A acuidade visual seja inferior a 0,1 no melhor olho e após a correção apropriada;
    • Ou a acuidade visual, embora superior a 0,1, seja acompanhada de limitação do campo visual igual ou inferior a 20º angulares.
Figura 3.13: Imagem anatómica do olho humano (commons.wikimedia.org)

A Cegueira pode ser de três tipos: congénita (surge no primeiro ano de idade); precoce (surge entre o 1.º e o 3.º ano de idade); ou adquirida (surge após os 3 anos de idade).

A Ambliopia, ou baixa-visão, significa uma reduzida capacidade visual que não melhora através de correção ótica. Existem dois tipos de ambliopia: orgânica (com lesão do globo ocular ou das vias óticas) e funcional (sem danos orgânicos).

Há, em todo o mundo, 285 milhões de pessoas com deficiências visuais: 39 milhões de cegos e 246 milhões de pessoas com baixa visão (World Health Organization, 2012). Em Portugal, de acordo com dados de 1995, a deficiência visual tem incidência de 13,7/1000 habitantes, entre os quais 1,48/1000 com cegueira total e 12,22/1000 com redução grave de visão (Secretariado 49 Nacional de Reabilitação e Integração de Pessoas com Deficiência, 1996). De acordo com dados do Censos 2011, 8,7% da população portuguesa tem muita dificuldade ou não consegue ver (Instituto Nacional de Estatística, 2011).

Segundo a OMS (World Health Organization, 2012), as principais causas de deficiência visual são erros de refração (miopia[23], hipermetropia[24] ou astigmatismo[25]) – 43%, cataratas[26] – 33% e glaucoma[27] – 2%. Estas causas podem ser consequência de doenças infeciosas (tracoma, sífilis); doenças sistémicas (diabetes, arteriosclerose, nefrite, moléstias do sistema nervoso central, deficiências nutricionais graves); traumas oculares (pancadas, ação de ácidos); ou de problemas congénitos (paralisia cerebral e outros). As principais causas da cegueira são as cataratas, o glaucoma e a degeneração macular[28] . Nos últimos 20 anos, a incidência de cegueira por infeção foi drasticamente reduzida.

Os défices visuais são também comuns em diversos tipos de deficiência, como por exemplo, na paralisia cerebral, na multideficiência ou nos traumatismos cranioencefálicos. Nestas situações, é fundamental uma correta avaliação da visão aquando da seleção de produtos de apoio. Por exemplo, uma criança com paralisia cerebral pode não revelar um bom desempenho na utilização de um sistema de controlo através do olhar apenas por não terem sido avaliadas corretamente as suas dificuldades em ver o ecrã do computador.

3.3.11 Deficiência auditiva

A deficiência auditiva caracteriza-se pela perda total ou parcial da audição. A surdez refere-se à perda completa da audição em um ou nos dois ouvidos. A surdez pode ser adquirida antes ou após o desenvolvimento da fala. Quando surge antes da fala, pode comprometer totalmente o seu desenvolvimento (World Health Organization, 2012).

A Figura 3.14 apresenta a estrutura do aparelho auditivo. A perda da audição pode ser causada por um problema no canal auditivo externo ou no ouvido médio que impede a condução do som ao ouvido interno (surdez de condução); por uma lesão no ouvido interno ou no nervo auditivo (surdez de perceção); ou pode estar localizada no ouvido médio e interno, comprometendo quer a condução quer a perceção dos sons (surdez mista) (Gonçalves & Santos, 2010). Apesar de rara, há casos de 50 surdez central, quando o estímulo auditivo é transmitido corretamente até ao cérebro e a surdez é causada por problemas de processamento central no córtex cerebral (Musiek, et al., 2007).

Figura 3.14: Imagem da estrutura do aparelho auditivo (commons.wikimedia.org)

Segundo a OMS, em 2004 havia no mundo cerca de 245 milhões de habitantes com deficiência auditiva moderada ou profunda (World Health Organization, 2012). De entre estes habitantes, cerca de 80% são de países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Cerca de metade dos casos de deficiência auditiva podem ser evitados ou tratados através de diagnóstico precoce e intervenção adequada. De acordo com a mesma fonte, nos países desenvolvidos, apenas 1 em 40 pessoas com deficiência auditiva tem o produto de apoio para a audição que necessita. Os dados do (Secretariado Nacional de Reabilitação e Integração de Pessoas com Deficiência, 1996) apontam para uma prevalência em Portugal de 11,6/1000 de deficiência auditiva, 1,9/1000 dos quais referentes a surdez. O Censos 2011 revelou que 5,0% da população portuguesa tem muita dificuldade ou não consegue ouvir, sendo que a incidência aumenta significativamente com a idade (Instituto Nacional de Estatística, 2011).

As principais causas da deficiência auditiva são (World Health Organization, 2012)

  1. de origem congénita: causas genéticas ou problemas durante a gravidez ou nascimento, como rubéola, toxoplasmose ou outras infeções na mulher; efeitos de alguns medicamentos ou drogas durante a gravidez; prematuridade; anoxia de parto ou icterícia grave no bebé (que pode causar danos no nervo auditivo);
  2. de origem adquirida: doenças infeciosas (e.g., meningite); infeções crónicas do ouvido; alguns medicamentos tóxicos que podem danificar o ouvido interno; traumas; exposição a barulho excessivo; ou o envelhecimento.

A deficiência auditiva é medida pelas perdas em intensidade, quantificadas em decibéis[29] , para as diversas frequências dos sons audíveis. Há várias classificações para a deficiência auditiva. A Tabela 3.6 apresenta a classificação da OMS (Mathers, Smith, & Concha, 2000).

Tabela 3.6: Classificação da deficiência auditiva segundo a OMS (Mathers, Smith, & Concha, 2000)
Classificação da deficiência auditiva Audiometria (valores da perda auditiva) (Média para 500,1000, 2000 e 4000 Hz no ouvido melhor) Descrição
0 (sem deficiência) 25 dB HTL Sem (ou com ligeiros) problemas de audição.
Ouve sussurros.
1 (ligeira) 26-40 dB HTL Ouve e repete palavras emitidas em volume de voz normal a 1 m de distância
2 (moderada) 41-60 dB HTL Ouve e repete palavras emitidas em volume de voz aumentado, a 1 m de distância
3 (grave) 61-80 dB HTL Ouve algumas palavras gritadas ao melhor ouvido
4 (profunda/surdez) 81 dB HTL ou superior Não ouve ou entende palavras mesmo gritadas ao ouvido

Para comunicar as pessoas com deficiência auditiva podem recorrer à Língua Gestual (frequentemente utilizada nos casos de surdez congénita), à oralidade (casos de deficiência auditiva moderada a severa ou surdez adquirida após o desenvolvimento da fala) ou ambas (diz-se neste caso que são bilingues). Para o segundo grupo há várias tecnologias de apoio que podem ajudar estas pessoas na comunicação. A legendagem (quer de texto ou símbolos, quer de língua gestual) é um dos meios para tornar a sociedade acessível às pessoas com deficiência auditiva.

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